30 de abril de 2018

A Rosa Doente - William Blake



Ó Rosa, estás doente.
O verme invisível
Que voa à noite
Na tempestade uivante:

Achou tua cama 
de alegria carmesim:
e seu amor secreto e obscuro
destrói tua vida.


arte::: aqui
tradução::: pedro luz


13 de abril de 2018

Gramática da Ira - Nelson Maca



havia lama na rua

e de quando em quando um corpo cadáver encalhado na vala


o espetáculo que a história nos oferece


restos e gestos do sim

alimentos recicláveis

bonecas sem pernas carros sem rodas

arqueólogo das sobras

a miséria

o não


pretinho maltrapilho

com as manchas sujas da vida

sem saber nem bem por que

nas suturas das fraturas

cresci


eu na pilha

você na mira

não vê o que foi feito de mim

pena sangrenta Gramática da Ira

meu rabisco mortal vai foder sua lira

arte::: jean-michel basquiat


10 de abril de 2018

Parvoália - Wallace Stevens


Essa flor estranha, o sol,
É o que você diz que é.
Se é assim que você quer.

O mundo é feio,
E ninguém é feliz.

Esse tufo de plumas de bugre,
Esse olho animal,
É o que você diz que é.

Esse selvagem de fogo,
Essa semente,
Se é assim que você quer.

O mundo é feio,
E ninguém é feliz.


tradução::: paulo henriques britto
arte::: van gogh


9 de abril de 2018

Sobre o Desejar


Põe as garras em riste
mirando o vazio
sintomático: 

percorre
a própria cauda como
quem conhece bem 
seus perigos --

o desejo é um sinal de fogo --

consciência corporal:
conhecer bem seus 
perigos.

Esperar por água, 
nua, em pose faraônica

"se eu pudesse,
e só isso lhe 
satisfizesse,

eu verteria
das mãos."



gif::: aqui.

28 de março de 2018

Silêncio - Marianne Moore


Meu pai costumava dizer,
"Pessoas superiores nunca fazem visitas longas,
ninguém tem que lhes mostrar a cova de Longfellow
nem as flores de vidro de Harvard.
Independentes como o gato --
que leva sua presa à intimidade,
a cauda mole do rato pendurada como um cadarço para fora de sua boca --
às vezes elas apreciam a solidão,
e podem ter sua fala roubada
por outra que as encanta.
O sentimento mais profundo sempre se mostra no silêncio;
não em silêncio, mas restrito."
Também não era insincero dizendo "Faça de minha casa sua pousada."
Pousadas não são residências.


arte::: aqui.
tradução::: pedro luz.


26 de março de 2018

Carta Aberta a John Ashbery - Waly Salomão


A memória é uma ilha de edição - um qualquer
passante diz, em um estilo nonchalant,
e imediatamente apaga a tecla e também
o sentido do que queria dizer.

Esgotado o eu, resta o espanto do mundo não ser
levado junto de roldão.
Onde e como armazenar a cor de cada instante?
Que traço reter da translúcida aurora?
Incinerar o lenho seco das amizades esturricadas?
O perfume, acaso, daquela rosa desbotada?

A vida não é uma tela e jamais adquire
o significado estrito
que se deseja imprimir nela.
Tampouco é uma estória em que cada minúcia
encerra uma moral.
Ela é recheada de locais de desova, presuntos,
liquidações, queimas de arquivos,divisões de capturas,
apagamentos de trechos, sumiços de originais,
grupos de extermínios e fotogramas estourados.
Que importa se as cinzas restam frias
ou se ainda ardem quentes
se não é selecionada urna alguma adequada,
seja grega seja bárbara,
para depositá-las?

Antes que o amanhã desabe aqui,
ainda hoje será esquecido
o que traza marca d'água d'hoje.

Hienas aguardam na tocaia da moita enquanto
os cães de fila do tempo fazem um arquipélago
de fiapos do terno da memória.
Ilhotas. Imagens em farrapos dos dias findos.
Numerosas crateras ozonais.
Os laços de família tornados lapsos.
Oco e cárie e cava e prótese,
assim o mundo vai parindo o defunto
de sua sinopse.
Sem nenhuma explosão final.

Nulla dies sine linea. Nenhum dia sem um traço.
Um, sem nome e com vontade aguada,
ergue este lema como uma barragem
anti-entropia.

E os dias sucedem-se e é firmada a intenção
de transmudar todo veneno e ferrugem
em pedaço do paraíso. Ou vice-versa.
Ao prazer do bel-prazer,
como quem aperta um botão da mesa
de uma ilha de edição
e um deus irrompe afinal para resgatar o humano fardo.

Corrigindo:
                        o humano fado.



arte::: clique aqui


23 de março de 2018

Um Problema em Design - Robert Lax



e se você
gosta
de de-
senhar
grandes flores


mas e
se algum
sábio
te dissesse
que não
há nada
mais bonito


nada
mais bonito


do que
uma linha
reta
?


o que você
deve desenhar:
grandes flores?
linhas retas?


eu acho
que você
deve desenhar


grandes flores 
grandes flores



grandes flores 
grandes flores



grandes flores 
grandes flores



grandes flores 
grandes flores


até que elas
se tornem
uma linha 
reta.


tradutor::: pedro luz
arte::: clique aqui


21 de março de 2018

A Pantera - Rainer Maria Rilke


(No Jardin des Plantes, Paris)

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.


tradução::: augusto de campos
arte::: simon bussy


19 de março de 2018

A Poesia é Uma Força Destrutiva - Wallace Stevens


Isto é que é a miséria, 
Nada Ter no coração. 
É Ter ou nada. 

É uma coisa Ter, 
Um leão, um boi no seu peito, 
Senti-la respirando ali. 

Corazón, cachorro bravo, 
Bezerro, urso de pernas tortas, 
Ele prova seu sangue, não cospe. 

É como um homem 
No corpo de uma fera violenta. 
São seus os músculos dela... 

O leão dorme ao sol. 
O nariz entre as patas. 
Ela pode matar um homem. 


arte::: clique aqui (fonte)
tradução::: ronaldo brito


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