7 de outubro de 2015

Todos os Homens São Anjos

Quando eu comecei a escrever não conseguia para de pensar em "Nota de Rodapé para Uivo" de Allen Ginsberg mas depois de um certo tempo comecei a pensar numas coisas que me incomodavam e o poema ganhou um certo corpo - lamentações robustas, eu diria. Mas são coisas assim que me fazem escrever, as considerações sobre o meu dia sempre viram poema, caso contrário elas morreriam dentro de mim; a palavra é o meu domínio sobre o mundo e também sobre as minhas emoções - eu não posso deixar que o dia se ponha imerso em melancolia e que o sol chore em meu peito até a hora em que o despertador toca.
No começo sabia sobre o que se tratava, senti asco por algumas pessoas e precisava desabafar. Lá pelo meio do poema eu me perdi e comecei a escrever sobre as coisas que estava à minha frente. Já no fim eu retornei à minha proposta original e concebi este poema - uma pequena nota de repúdio, e ainda assim um bilhete de aceitação àqueles que recusam-se a ser anjos.
Todos os homens são anjos

Todos os homens são anjos.
Uma geração de pênis flácidos;
Créditos pré-aprovados sem nenhuma garantia;
O Futuro é ilusão.
Todos os homens são ilusionistas.
Ninguém tem certeza de nada.
A única certeza das crias do milênio é a de dias melhores.
Às vezes o otimismo parece ser o mal do século.
A segunda geração dos pós-modernos
Engalfinhando-se com a última geração dos pré-apocalípticos.
Dias melhores virão, isso é certeza.

Relações liquefatas.
Amores vêm engarrafados e prontos para serem consumidos,
De fácil absorção e excreção.
Todo mundo é príncipe encantado.
Em cada esquina vive uma Cinderela.
Abóboras esfumaçadas.
Ratazanas tecelãs.
Com que vestido voltar depois da meia noite?

A Persistência da Memória.
O tempo parece derreter
Enquanto os minutos recusam-se a ceder à minha vontade
Quando foi que o tempo deixou de voar?
Quem terá cortado suas asas?
Todos os homens precisam de alguém para retornar.
Ainda que sejam profundamente infelizes, precisam.
É difícil perceber que não se vive sozinho.
Somos a mais sociável das gerações.
Compartilhamos tudo
Até mesmo a solidão.
Até mesmo as promessas de um futuro melhor.
Ainda que não acreditemos em nada.
Ainda que não acreditemos nem em nós mesmo.
Ainda assim é preciso disseminar, compartilhar.

Somos a geração idealista mais vazia de todas.
Somos filhos do descaso e do concreto.
As crianças que subitamente decidiram que mudariam o mundo.
E mudaram. As coisas nunca mais serão as mesmas.
Talvez daí venha o otimismo.
Todos os homens são revolucionários.
Todo dia é uma declaração polêmica.
Todo o mundo é politizado.

Uma locomotiva azul te leva para belíssimos lugares.
Te faz tocar pessoas intangíveis e ler textos enormes absolutamente vazios.
Os dias perderam o silêncio em fevereiro de 2004.
Milhares de amigos e ao mesmo tempo nenhum.
Já faz tento tempo desde que eu me dispus a pensar por conta própria...
A indisposição salteia os dias.

Todos os dias são chances de enriquecer, ou morrer tentando.
Todos os homens devem seguir o mesmo caminho.
Ironicamente o caminho certo foi alterado milhares de vezes.
Estatisticamente o caminho certo é qualquer caminho.
Por que não se aventurar? 

Todos os homens são a casa de alguém.
Apesar de tudo, ninguém é ilha.
Talvez península, mas ilha definitivamente não.
Dez anos de solidão.
Ainda ontem eu não fazia ideia de nada.
Hoje eu também não faço, mas as pessoas esperam que eu saiba de tudo.
A ansiedade salteia os dias.
A memória é um ansiolítico.
Mas causa dependência e às vezas pode cegar.
Quantas milhares de vezes o passado me privou de enxergar o presente?

Repito ideias que sugerem padrões e generalizam os homens.
O individualismo salteia os dias.
Todo o mundo é especial.
Todos têm algum talento imbatível.
Sete bilhões de pessoas no mundo – não há figurinhas repetidas neste álbum.

Todos os homens são anjos.
Pelo menos é disto que tento me convencer.
Pelo menos é isto que repito para mim mesmo em noites frias.
Todos os homens são anjos.
É preciso fé para que os homens existam.
E são necessários homens para que a fé exista.
Todos os homens são anjos.
Um dia eles decidiram que seriam.
E tornaram-se.
Todos os homens são anjos.
Mentiras são somente placebos do tempo.
Anjos são emissários do destino.
Todos os homens são anjos.
E usam de palavras doces para abrasar a alma.
Abraçam os dias mornos e beijam a monotonia.
Todos os homens são anjos.
E são profundamente desinteressantes.
E se culpam por isso.

Todos os homens tentam, mas falham.
Um dia todos os homens decidiram ser iguais.
Um dia todos eles pensaram que se fossem iguais então não haveria desinteresse ou derrota.
Todos os anjos são patéticos.
Todos os homens que lutam para se encaixar tão violentamente
Morrem na praia da memória
E têm o seu maior medo realizado
Imortalizam-se como comuns.





 

Todos os homens são anjos e, consequentemente, são ilusões.

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