11 de outubro de 2015

Um Conto de um Dia Qualquer

Nós acordávamos bem cedo aos sábados e nos encontrávamos na estação central – alguém sempre se atrasava, nunca desistimos. Éramos elementos destoantes do cenário ao nosso redor; enquanto a maioria das pessoas estava preocupada em chegar cedo em seus trabalhos (quem trabalha no sábado se preocupa em dobro) nós sentávamos em um banco qualquer, envoltos em ócio, e decidíamos o que iríamos fazer ao longo do dia – o dinheiro era escasso, mas a disposição ilimitada.
Conhecíamos uma senhora na estação, dona Marta, dona de um carrinho de mingau, ela sempre nos dava um ou dois copos de graça. Enquanto tomávamos eu o olhava e pensava “espero que fiquemos juntos para sempre”. Eu sempre fui muito romântico, muito bobo – essa coisa de relacionamentos não funcionava para mim – me reservei ao papel de espectador, e às vezes esquecia de viver – nos curtos períodos de tempo em que interrompia o meu voyeurismo com a vida queria compensar em pouco tempo por todo o período de inatividade.
Milhares de pessoas, milhares de corações na estação, todos foram ou serão partidos, por que só o meu permanece apático? – Foi isto que me perguntei antes de um surto, o maior deles até o momento. Lembro que coloquei o copo de mingau num canto qualquer e olhei para ele, proferi belíssimas palavras de amor e roubei os sentimentos mais puros de toda a ficção que era de meu conhecimento, subitamente eu me convenci de que estava apaixonada, e consequentemente o convenci também – as coisas nunca mais foram as mesmas.
O sentimento não era recíproco, ele ficou apavorado, achou a minha declaração súbita (que declaração não é súbita?) e inventou um compromisso de última hora para fugir da situação. Às vezes eu queria que a minha vida fosse como uma canção do Belle & Sebastian, tenho certeza que as coisas seriam mais fáceis.
Depois que ele foi embora eu permaneci ali por mais alguns minutos –quando me dei conta já havia se passado uma hora, ou até mesmo duas. Decidi ir embora também, mas não sabia para onde ir – engraçado, eu nunca soube muito bem para onde ir, mas acabei chegando em lugares maravilhosos – pego um ônibus e vou para a parte sul da cidade, onde tem um parque que eu costumava ir para pensar.
Chegando lá eu me recosto numa árvore e olho para o céu, vejo as nuvens perderem seu volume e darem lugar a um céu de brigadeiro. As crianças brincam perto do lago, os casais passeiam e esquecem do mundo a sua volta, é um lugar belíssimo, nunca consegui me sentir triste aqui.
Penso nos meus sentimentos e trago certa lógica à irracionalidade do coração. Por que eu preciso me forçar a sentir algo? E depois, como nutrir sentimentos forjados por convenções e medo? Eu nunca penso no depois, sou um eterno imediatista. Eu penso muito, talvez por isso seja tão calado com algumas pessoas e fale sem parar com outras.
Não aconteceu nada nesse dia. Eu não conheci ninguém novo e nem tive um insight do que fazer com a minha vida, nada de diferente, só foi um dia bonito, poético, e que valeu a pena ser vivido. Com o tempo a gente começa a perceber que a solidão também tem uma beleza inexplicável, um apelo poético, observacional, que só é percebido na quebra de ciclos, nas mudanças, nas revoluções.
Eu ainda vejo esse amigo, nos cumprimentamos, constrangidos, como dois vizinhos de porta que ouvem as brigas uns dos outros à noite; às vezes ele me manda algumas imagens engraçadas pelo celular, eu rio, respondo e passamos semanas, às vezes um ou dois meses, sem nenhum contato. Nós nunca conversamos abertamente sobre aquele dia – hoje percebo que realmente não há nada a ser conversado, mas talvez ele não saiba disso.
Quando a gente se esforça suficientemente os desapontamentos podem se tornar poesia pura, e, consequentemente, achamos certa beleza neles.
Gosto muito de lembrar desse dia em particular, que foi quando eu me percebi nos mais profundos níveis e transcendi o próprio observador – de dentro de mim pude ver o narrador onisciente e lhe mostrar coisas que nem ele conseguia ver.
Eu ainda sinto falta dele, mas não fui atrás.
E assim são os contos de fadas urbanos, seus finais não são nem melancólicos ou alegres, são finais – o caráter deles é atribuído pelo leitor. Tão relativos são os finais que despedidas, como a dessa história, podem ser novos começos, é tudo uma questão de ponto de vista.

obs: parcialmente ficcional.

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