A Magistralidade do Tempo Sob As Águas
Passei o dia tentando negar o amor e o tempo através de
cinismo prosaico. A Lua está em câncer – eu realmente não quero acreditar no
amor, mas acredito. Ainda que me decepcione ciclicamente, ainda que meu coração
sufoque em ansiedade e medo, ainda assim acredito no amor. E sou sincero quando
digo: não estou triste por me decepcionar, muito menos melancólico – me sinto
aliviado por ter respostas, por novamente poder pisar na firmeza da realidade –
para onde sempre volto no final do dia e obtenho conforto.
Eu não aprecio os sentimentos, eu os devoro. Hoje alguém me
disse: “eu preciso de um tempo para apreciar essa nova circunstância, essa nova
descoberta sentimental”, eu entendo esta pessoa, mas trato as coisas de uma
maneira completamente diferente. Eu respeito o tempo, mas não sou submisso a
ele; chega uma hora em que avanços se fazem necessários – os meus sentimentos
que não progridem são incinerados. O coração é fogo e a memória o carvão.
Prevejo despedidas. Lembro-me que deixei registrado para mim
um conselho simples e brilhante: “livre-se das coisas e das pessoas que não lhe
fazem bem”, esta é a frase que rege a parte um da minha coleção de vivências
escritas no formato de cartas. Para os entendidos de astrologia: tenho pensado
em escrevê-las conforme as revoluções lunares. Neste ciclo em que lhes escrevo
a minha lua em Capricórnio está na casa quatro – a lua em câncer
definitivamente não passou despercebida.
Escrevo este texto num fim de tarde, o sol adormece atrás
das nuvens num tom avermelhado belíssimo, e caí tão rápido no horizonte, quase
como quem ficou envergonhado – talvez tenha encontrado sua amada, a Lua, e não
tenha tido coragem para se declarar – preferiu voltar para a cama, quem sabe
amanhã ele consiga.
O ano passou tão depressa. Semana passada acordei, ainda era
cinco de março e eu não fazia a mínima ideia do que estava por vir. Se pudesse
eu faria tudo outra vez. Talvez pularia algumas etapas, não vou negar, mas que
bom que eu não pulei estas etapas – as decepções nos ensinam tanto, o
especialista nada mais é do que tentativa e erro. Tão bom errar e continuar
tentando.
Eu vejo horizontes luminosos em fins de ano com abraços
sinceros e amor verdadeiro; eu vejo a vida monocromática, e ante a vida eu vejo
holofotes que me cegam e me encaminham para a sala do juiz que vive em mim –
ele gosta das coisas claras, diretas, concretas; é um rebelde que finge
perpassar o tempo, mas que vive aterrorizado por ele. Eu vejo a inevitabilidade
de um futuro melhor, apesar de tudo.
Hoje mergulhamos na memória – perdemos o fôlego, mas
resgatamos as coisas que precisavam vir à tona. Parabéns, você fez o que
precisava fazer, não há vergonha nisso. Me atolei nas coisas do passado, peguei
a minha colcha de decepções e remendei mais alguns trapinhos nela – com o tempo
se aprende a remendar – pretendo passar a noite assim, agarrado ao passado,
contemplando e aproveitando a vida pelo seu mais simples espectro, o do tempo.
E não pensem que há melancolia no mangue do tempo. Há um
certo conforto, uma sensação de voltar para casa, sabem? Tentamos nos adaptar
para viver melhor, mas esquecemos das migalhas de nós mesmos que deixamos pelo
caminho; a noite serve para catar migalhas, hoje colhemos e amanhã voltamos a
caminhar. Citando Dorothy, “Não há lugar como o nosso lar”.
0 comentários: