4 de setembro de 2016

Descartes: Elegia Para Sabrina Balaclava




Triste por te ver partir tão cedo. Triste por não te ver. As manhãs tem sido acinzentadas; já faz algumas semanas que o rosa da alvorada fugiu dos meus dias. O tempo passa rapidamente, olho para o relógio e me espanto: me pego encarando para o mesmo vazio habitual, aquele que você deixou do lado esquerdo do guarda-roupas, vazio entalhado em mogno. Ainda outro dia te vi, entre lágrimas, flutuando sobre as gramíneas do retorno.
Triste por estar só. Joana vem todos os dias rezar o terço uma ou duas vezes ao meu lado, silenciosa. Diz que reza por você, mas sei que se preocupa, em grande parte, comigo; acho que eles têm medo de que eu tente me juntar a você. A vida é um entrelaçado dessas distâncias que mal cabem em mim. De repente tudo é um nó na garganta e você é apenas um fantasma silencioso na mastigação dos dias pelo tempo.
Eu não falo. A escrita, para mim, é covardia táctil. Sou eu quem não dá a cara a tapa e contorce os dedos em desconforto para transmitir o mal-estar. Covardia cúbica, por metro quadrado: a cada passo em meu apartamento uma desistência. Do caminhar de nosso quarto até o banheiro sinto ânsia de vômito – à memória socando nosso estômago damos o nome de remorso. À memória apaixonada pelo que poderia ter sido também chamamos remorso. Eu sou só remorso e pressão baixa, nada mais
A porta do seu lado do guarda-roupas está sempre aberta. O que é uma porta aberta para você? Faz algum sentido? Acho que este é um dos jeitos que encontrei para fazer crível a sua partida. Só eu aqui, sentado, sob o silêncio, sob o pesar da sua ausência.



Esse novo segmento, "Descartes", é feito a partir de todos os meus textos que eu não ache que funcionem bem juntos. Esse, por exemplo, é de um pequeno apanhado que seria sobre vida e obra de Sabrina B., só que havia elegia antes mesmo de haver Sabrina, não rendeu muito.

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