21 de agosto de 2016

Do Rancor e do Que Não é Constante




Eu odeio você. Eu odeio quando você aparece pelas minhas costas e me envolve no infinito do seu abraço, nas pressões descompassadas que põe sobre meu corpo, no roçar contra mim ansiando pela rendição da minha boca aos seus impulsos, sedento por um mísero gemido. Eu odeio gemer para você; odeio os seus beijos, odeio os seus milhares de beijos que sempre chegam até mim como os últimos. Eu odeio como cada dia é o último, eu odeio como a gente morre todo dia para voltar na manhã seguinte a ser infinitos por um punhado de segundos. Eu odeio o vazio que se sucede quando você me abandona todas as manhãs. 
Eu odeio ter que acordar de madrugada, após dormir por pouquíssimas horas, e ir fechar os olhos na varanda tentando me convencer de que estou meditando. Eu odeio não conseguir meditar, odeio a minha fúria mental. Odeio ter o meu sono interrompido às quatro da manhã para me ocupar com premissas inconclusivas a respeito do nosso relacionamento. Eu odeio que você não se ocupa com premissas inconclusivas a respeito do nosso relacionamento. Eu odeio ser insone por não conseguir digerir a ideia de estar neste relacionamento. 
Eu odeio você. Odeio cada singelo detalhe em você. Odeio as suas mãos sobrepondo as minhas num afetuoso eclipse de intenções, odeio quando o seu polegar desliza da minha bochecha aos meus lábios e os contorna numa luxuriosa elipse. Odeio tocar o seu corpo em resposta. Odeio como minha mão escorrega de seu peito numa queda lenta e imoral. Eu odeio te tocar e não me sentir mal por isso. Eu odeio não recuar. 
Às vezes acho que você sabe que eu te odeio. Talvez tenha percebido na distância que invade o meu olhar todas as vezes em que eu lhe abandono na cama e me debruço na janela para ver o céu. O Céu me lembra de alguém que me ensinou a contemplá-lo, o Céu me lembra de quem eu tentava esquecer quando te conheci. O Céu me lembra de quem eu não esqueci. 
Eu odeio você por não me encantar da mesma forma de quem eu tento esquecer. Eu odeio você por se rebelar contra o meu querer e ainda assim me domar. Eu odeio você por não me despertar amor – pelo menos não o que eu aprendi a chamar de amor. Eu odeio você e odeio odiar você; acho que porque lá no fundo eu admito que você me mudou. Eu odeio gostar mais de quem sou hoje do que de quem era antes. Eu odeio admitir que a mudança não me dói, e para não pensar nas mudanças eu me ocupo odiando você. Odeio você. 
Eu odeio você. Quando grita meu nome e corre até mim, te odeio. Quando te recebo em meus braços, te odeio. Quando selamos nosso encontro com um beijo, te odeio. Quando me vejo mais uma vez dividindo os mesmos lençóis contigo, te odeio. Quando recomeço o dia e já me esqueci de tudo o que se passou, enquanto você dorme na cama ao lado, no primeiro raio de sol da manhã, te amo. Te amo mas só um pouquinho, só por uma fração de segundo, sussurro sob o Sol, sobre o teu sono, cê nem sabe, mas na calada da manhã te amo, até por demais.

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