24 de dezembro de 2017

Da Compreensão


Espreitando a coragem, olha de soslaio e recua. Respira fundo, lhe falta ar no último segundo que inspira; boceja. Baixa os olhos, como que olha para dentro de si e volta, e diz:
"Agora que você é um pouco mais velho e eu sou um pouco mais velho, acho que deveríamos conversar."
E as palavras vão se avolumando na garganta, disformes, até que pós-verbais, escorrem pelo rosto, exaustas. Respira novamente, agora ainda mais fundo. Falta um cigarro.

- O que eu tenho pra falar é difícil demais de se dizer -- É resoluto no que diz, ainda que omita, por dentro, verdades não decodificadas, em palavras, por ele mesmo.
- Vai ver você não precise dizer. -- Ele o responde, numa espécie de candura amornada.
- Mas você entende o que eu quero dizer? 
- Não, mas tá aí: vai ver eu não precise. -- Ele diz com a preguiça enraivecida de quem se vê obrigado a se repetir.

Suas Vontades zombam dele com mais frequência do que gostaria. Queria falar que ama, mesmo passadas mágoas, soluços e coisas não-ditas. Mas não consegue. Se prostra ante suas Vontades, ante seus sentimentos-gente-cruel, e paralisa com a cabeça colada ao chão, emudecido.
Ele dá um sorriso a seu ouvinte revestido de ternura, feliz por não precisar falar -- já falando absolutamente tudo o que é preciso. 

Ao fundo da mente: o desejo de ir a praia e sussurrar segredos à maré com metade do rosto afogada e de fora d'água somente dois olhos frios sob o sol quente.


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