Sobre os Meus Mestres
| Ilustração: "Swimming Lovers" (1984) por Eric Fischl | |
Ainda assim sou todos os meus mentores. Eu sou muito uma professora - essa genuinamente interessada em ajudar - me dizendo para não escrever sobre amor, "porque ele passa". Em um primeiro instante me impressiono e encontro conforto nestas palavras: sofria por amor há algum tempo, silenciosamente, quase como quem sofre de um aneurisma - sabia que ele estava lá, e não era o desamor que me doía, mas sim a certeza de sua existência pulsante e incômoda, que me gelava os ossos. Logo depois, de coração aberto a novos amores, a paixões incandescentes, percebo uma coisa: o amor é uma consequência desta cidade.
Como pode aquele que se diz cronista ou poeta, que desliza pelas calçadas entre palavras e melodias, não escrever sobre a substância do mundo? Sonhos de amor, debaixo do meu colchão, trocam beijos tímidos com os rostos nos céus, me encarando, carrancudos como a própria noite, atentos, tentando enlaçar meus desejos mais ocultos ao ensaio do dia seguinte.
Eu durmo e sonho com amores que estão por vir. Eu intuo que me apaixonarei de novo, e acerto - ainda ontem me apaixonei pelo reflexo de um rapaz que tenho encontrado em todo lugar: na faculdade, nas festas, nos bares, na balaustrada que emoldura a praia da Barra. Me apaixonei mas hoje já nem me lembro mais dele, como o cachorro que larga o osso enterrando-o, para remexer depois. Prefiro me resignar a omisso e platônico, penso, mas ainda assim apaixonado.
Penso que devo escrever sobre amor porque mesmo que hoje já não ame mais aquele cara, por quem eu era apaixonado ainda ontem, eu ERA apaixonado por ele, e isso importa. As nossas histórias importam, revisitá-las importa. Quando eu envelhecer, com carne e prazer agora aposentados, flácidos e preguiçosos sob o signo da minha existência, eu vou me alegrar retornando, ainda que em espírito, às minhas histórias - se a esta altura a memória também não resolver se aposentar.
Acho que atraio gente com muito a dizer. Às vezes cansa. Acho que preferiria o silêncio ao invés disso; mas a vida não é silenciosa, já que o silêncio - onde as coisas murcham, trancafiadas em si mesmas - tem parte com a morte. Sabendo disso prefiro falar, ignorante como sou, cansado como estou, e atraio, pretensos mestres com uma figura que guarda grande entendimento mas não vibra ao compartilhar seus saberes. Resistente como sou e temeroso da silenciosa e solitária morte em mim, passo, incansavelmente, por movimentos iniciáticos para retornar ao entendido-aprendiz que era quando parti. Ouroboros.
Eu acho que sou assim por temer a solidão. Não quero ficar só lavando memórias neste rio de pedras. Eu sou assim mais por medo do que por convicção; mas afinal: o que é convicção? Antes de tudo é preciso entender o que é um herói - daqueles das histórias em quadrinhos. Um herói é uma intenção, um ponto de luz naquilo que antes era vazio, uma direção - igualmente são os vilões que o rodeiam. Heróis e vilões significam uns aos outros e compartilham de uma só característica: tem objetivos claros, todos são convictos de algo. Poderiam os homens ser heróis ou vilões? A resposta é, obviamente, não. São apenas humanos travestidos de heróis ou vilões buscando jornadas melhores - "o importante não é o destino, mas a jornada", já me disseram tantas vezes que passei a acreditar. Eu interpreto vinte e quatro horas por dia e prospero, sempre que dá, na minha surrada carcaça de bondade.
Todos os meus mentores são heróis das próprias intenções. Eu sou o herói dos meus sonhos - embora vez ou outra me falte força para sequer levantar da cama. Estou exausto. Acordo da cama e estou exausto, alguns minutos atrás paralisado, trêmulo de sonho incômodo. Alguns dias estou exausto. Nesses dias nunca herói, quase que nem mesmo humano, apenas mergulho no sofá e encaro a televisão para fora das almofadas. "Existir basta, amanhã eu vivo" - penso nessas horas.
Obrigado aos que vieram e aos que virão. Espero por vocês, então esperem por mim também.
Como pode aquele que se diz cronista ou poeta, que desliza pelas calçadas entre palavras e melodias, não escrever sobre a substância do mundo? Sonhos de amor, debaixo do meu colchão, trocam beijos tímidos com os rostos nos céus, me encarando, carrancudos como a própria noite, atentos, tentando enlaçar meus desejos mais ocultos ao ensaio do dia seguinte.
Eu durmo e sonho com amores que estão por vir. Eu intuo que me apaixonarei de novo, e acerto - ainda ontem me apaixonei pelo reflexo de um rapaz que tenho encontrado em todo lugar: na faculdade, nas festas, nos bares, na balaustrada que emoldura a praia da Barra. Me apaixonei mas hoje já nem me lembro mais dele, como o cachorro que larga o osso enterrando-o, para remexer depois. Prefiro me resignar a omisso e platônico, penso, mas ainda assim apaixonado.
Penso que devo escrever sobre amor porque mesmo que hoje já não ame mais aquele cara, por quem eu era apaixonado ainda ontem, eu ERA apaixonado por ele, e isso importa. As nossas histórias importam, revisitá-las importa. Quando eu envelhecer, com carne e prazer agora aposentados, flácidos e preguiçosos sob o signo da minha existência, eu vou me alegrar retornando, ainda que em espírito, às minhas histórias - se a esta altura a memória também não resolver se aposentar.
Acho que atraio gente com muito a dizer. Às vezes cansa. Acho que preferiria o silêncio ao invés disso; mas a vida não é silenciosa, já que o silêncio - onde as coisas murcham, trancafiadas em si mesmas - tem parte com a morte. Sabendo disso prefiro falar, ignorante como sou, cansado como estou, e atraio, pretensos mestres com uma figura que guarda grande entendimento mas não vibra ao compartilhar seus saberes. Resistente como sou e temeroso da silenciosa e solitária morte em mim, passo, incansavelmente, por movimentos iniciáticos para retornar ao entendido-aprendiz que era quando parti. Ouroboros.
Eu acho que sou assim por temer a solidão. Não quero ficar só lavando memórias neste rio de pedras. Eu sou assim mais por medo do que por convicção; mas afinal: o que é convicção? Antes de tudo é preciso entender o que é um herói - daqueles das histórias em quadrinhos. Um herói é uma intenção, um ponto de luz naquilo que antes era vazio, uma direção - igualmente são os vilões que o rodeiam. Heróis e vilões significam uns aos outros e compartilham de uma só característica: tem objetivos claros, todos são convictos de algo. Poderiam os homens ser heróis ou vilões? A resposta é, obviamente, não. São apenas humanos travestidos de heróis ou vilões buscando jornadas melhores - "o importante não é o destino, mas a jornada", já me disseram tantas vezes que passei a acreditar. Eu interpreto vinte e quatro horas por dia e prospero, sempre que dá, na minha surrada carcaça de bondade.
Todos os meus mentores são heróis das próprias intenções. Eu sou o herói dos meus sonhos - embora vez ou outra me falte força para sequer levantar da cama. Estou exausto. Acordo da cama e estou exausto, alguns minutos atrás paralisado, trêmulo de sonho incômodo. Alguns dias estou exausto. Nesses dias nunca herói, quase que nem mesmo humano, apenas mergulho no sofá e encaro a televisão para fora das almofadas. "Existir basta, amanhã eu vivo" - penso nessas horas.
Obrigado aos que vieram e aos que virão. Espero por vocês, então esperem por mim também.
0 comentários: