Diálogos - Gabriel
- Ele sumiu. Pedro, ele sumiu, nunca mais vi, nunca mais ouvi falar, ele sumiu.
Nós dois estávamos falando de Jonas, namorado de Gabriel; Jonas, nosso amigo em comum, aquele baixinho que sempre tinha algo a dizer, esse Jonas. Bem, ele sumiu, querendo ou não precisávamos falar disso.
Gabriel está desolado, seus olhos abrigam um vazio que eu nunca tinha visto, sua voz se parte a cada frase em que ressoa, suas mãos abraçam uma a outra num aperto ansioso e trêmulo, então isto é um homem partido?
- Pra onde será que ele foi? Cê recebeu alguma notícia? Será que ele arranjou alguém novo? Eu o amo, cê sabe disso, né? Eu o amo, Pedro.
- Eu sei Gabi, mas eu não posso fazer nada, eu não sei de nada.
- Mas vocês eram tão ligados, como não sabe?
- Não sabendo.
- Foi tão súbito.
- Não acho.
- Então você está sabendo de alguma coisa que eu não sei.
- Eu acho que a questão aqui tá mais pra: eu penso algo que você não imagina.
- E o que é então?
- Eu não acho que nada seja verdadeiramente súbito, sabe? Nós somos tão complexos, tão profundos, difícil pensar que algo em nós "surja" do dia pra noite
- Nossa, mas você é ridículo mesmo, né? Debochando de mim com suas teorias psicológicas até num momento destes.
- Mas não tô debochando.
- Não ligo, eu só quero saber do Hélio.
- De quem?
- Do Jonas.
- Cê falou Hélio?
- O quê?
- Sim, Hélio. Quem é Hélio?
- Um menino aí...
- Nossa, pra quem tava tremendo cê já superou bem rápido, né?
- Não é nada disso!
- Então é o que?
- Eu não sei.
- Como assim não sabe?
- Cê sabe que eu e o Jonas estamos namorando...Ou pelo menos estávamos, né? Não sei...
- Sei sim.
- Então...É complicado.
- O que nessa vida não é?
Gabriel engole seco. Olha para a janela do quarto e fita a caixa d'água do shopping que acolhia o pôr do sol daquela tarde de terça-feira. A água comumente recebe o Sol exausto, assim como eu e Gabriel desenvolvemos o hábito de receber um ao outro em nossa exaustão. Ter para quem voltar no fim do dia é o verdadeiro milagre.
- Pedro, eu não te contei de uma coisa. - Ele me fala depois de um longo suspiro, com pesar em sua voz.
- Eu conheci o Hélio numa festa da faculdade.
- Cês ficaram?
- Não.
- Conversaram?
- Também não.
- Então o que há entre vocês?
- Ele estava lá, dançando tão bem, sabe? Sendo esse cara super legal, bem vestido, inteligente e politizado. Eu não conseguia para de pensar nele. Ainda tenho pensando bastante.
- E onde é que o Jonas entra nessa história?
- Ah, eu contei pra ele que estava apaixonado pelo Hélio.
- O QUÊ? COMO VOCÊ PÔDE CAGAR O SEU RELACIONAMENTO POR UM CRUSH QUE VOCÊ NEM PEGOU.
- Eu caguei as coisas entre eu e o Jonas?
- Como ele reagiu quando você falou?
- Ele fez uma cara bem bizarra, sabe aquela entre orgasmo e terror?
- Sei sim hahahahaha.
- Então ele fez isso e depois ficou calado por uns dias. Achei que ia passar, não passou.
- Cê se apaixonou por uma ideia.
- Como assim?
- Pela ideia do Hélio. A sua percepção, esse platonismo todo, você ama uma ideia.
- Não, eu amo o Hélio, do jeitinho que ele é, do jeitinho que me encanta, sabe?
- E quem é o Hélio? Qual é o jeitinho dele?
- Eu acabei de falar pra você!
- Não, você me falou só o que você vê nele.
- Qual a diferença?
- A diferença é que você ama um estranho e em prol desse romance-ideia enxota o Jonas do seu coração.
- Não é verdade...
- Nós dois sabemos que é. O silêncio é um lugar incômodo para se estar, mas isso é bom: todo silêncio nos leva a um lugar novo.
- Para onde eu estou indo, Pedro?
- Eu não sei, amigo. Mas você sabe que as coisas vão mudar, né? Na verdade já mudaram.
- Pior que sei...
Eu e Gabriel nos abraçamos, paramos de falar sobre o que quer que brotasse em nossas mentes, naquele momento estar ali era o bastante; tinha que ser, e foi.
Só falei com o Jonas uma última vez depois daquela conversa, ele se queixou de como eu sempre defendi o Gabriel e que estava cansado de me procurar - "Eu gosto de gente que toma partido e agarra o outro com força" é algo que ele costumava dizer. Eu não vivo em cima do muro, nunca vivi; acho que a grande questão é que dói admitir que as pessoas que amamos já estão do outro lado sem nós. Deve doer, não me lembro bem da última vez que passei por isso, mas sei que deve doer. Dói.
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