22 de fevereiro de 2016

Diálogos - Soraya

- Pedro, acho que eu me inventei dependente, acredita?
- Como assim?
- Bem, você sabe de toda a minha história com a Júlia, né?
- Sim, vocês tem ficado há mô tempão, só que ninguém sabe muito bem o que tá rolando; a relação é bem instável, né?
- É. Eu tenho refletido bastante, durante as crises, sabe?
- Sei não, como?
- Fico pensando: o que é o meu amor? No que se baseia? Por que é amor?
- Esses dias eu ando obcecado com Anaïs Nin; tem uma frase dele que é mais ou menos assim: "Não busque o porquê - no amor não há porquês ou razões ou explicações ou soluções". Eu acho que o amor é complicado mesmo.
- Mas é um porre - eu enjoei do amor. Não quero mais borboletas no meu estômago, estou cheia desta primavera interminável. 
- Eu acho que você tá sendo radical demais.
- Não tô não. Veja bem, quando alguém passa tanto tempo solitária como eu e logo em seguida se liga profundamente a uma pessoa, o medo da perda é comum - a ideia de voltar a enfrentar a si mesmo sem mais ninguém é assustadora; porém precisamos voltar para casa, precisamos voltar para nós mesmos.
- E pra voltar pra si mesmo tem que abandonar o outro?
- Às vezes.
- Às vezes quando?
- Quando você negligencia a si mesmo em prol do outro.
- E isso acontece?
- Bastante.
- Às vezes, de noite, eu encosto a cabeça no travesseiro e começo a pensar: "Soraya o que é que você tá fazendo, garota?"- E eu não sei, sabe? Eu não faço a mínima ideia do que eu tô fazendo com a minha vida. Eu tenho muito medo de como o futuro se desdobrará, eu tenho muito medo de ficar sozinha, mas ao mesmo tempo eu meio que anseio por ficar sozinha - eu sinto falta da minha solidão - em parte porque sinto que eu me tratava melhor do que a Júlia me trata.
- Mas é claro que você se trata melhor, né? A Júlia também tem outras pessoas pra cuidar, outras coisas para resolver.
- É nesse cuidar que eu me sinto negligenciada. Eu só tenho a mim mesma, emocionalmente, eu só posso contar comigo - e é assim que eu toco a minha vida, confiando no meu ser - quando eu me sinto fragilizada deste jeito eu sinto muito medo.
- Medo de que?
- De quebrar a cara, de ser abandonada, de ser trocada por outra - a gente têm medo dessas coisas, né?
- Sim. Eu também tenho, e bastante.
Nos ficamos um tempo olhando para direções diferentes em silêncio - eu pensei no meu desconforto - não me convém falar das coisas que eu me esforço para não pensar - eu não quero falar de solidão e nem de amor, eu esmaguei a solidão e o amor sob uma ampla gama de ocupações.
- Cê lembra do Daniel Johnston? - Ela me pergunta.
- Que é que tem ele?
- Toda aquela baboseira de que o amor nos acharia no final, né? E pior que eu acreditava.
Eu dou uma risada um tanto aliviado por ter sido resgatado de meus pensamentos e respondo:
- Eu não sei bem o que pensar, eu meio que acredito, mas é um exercício de fé, né? Tá ficando difícil de acreditar.
 - Olha, mas é muita fé mesmo hein? Eu já tô bem "Losing My Religion" - R.E.M - jogando a toalha.
- Mas você também é dramática, né? Qualquer coisinha é: "Nossa, acabou pra mim, tá tudo morto, é o fim".
Nós dois rimos bastante e depois ela retruca:
- Mas você é exatamente assim! Só que fica caladinho aí, com essa cara de sofrido o dia todo sem falar nada e não demonstra, mas é exatamente assim. 
- Eu não fico com cara de sofrido, só fico pensando.
- Sofre pensando.
- Às vezes.
- Aí ó!
- Mas o assunto aqui é você né? Não sou eu.
- Hum. 
- Me diz, o que vai ser de você e da Júlia?
- Eu já levantei as mãos pro alto e falei "Senhor, entrego a ti este sacrifício" porque eu não faço a mínima ideia. Eu tô levando minha vida. A gente sofre mas a gente se diverte também.
- Mas olha, vamos combinar que todo dia é um sete a um diferente. 
- Sim, todo dia - eu me distraio e já levei uma bolada neste gol chamado vida.
- Sofro.
- Eu também, nossa.

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