Sinto, Logo Existo
São estas borboletas no estômago que me fazem sentir vivo – ás vezes parece que tem uma primavera inteira dentro de mim. Já não sei mais onde começo e onde termina o meu amor. Outro dia o Mundo me roubou um beijo e eu retribuí – nos apaixonamos.
Todos os dias eu amo alguém diferente – esta é a beleza de apaixonar-se pelo Mundo, ele demonstra o seu afeto através de tudo e de todos dentro dele. Ontem eu amei doze estranhos que falaram comigo, hoje só amei a mim mesmo – e assim o Mundo continua mostrando que ainda gosta de mim.
Ontem eu era, inconscientemente, um poeta, hoje sou um andarilho – Os poetas são os amantes originais do Mundo, belos, vigorosos e apaixonados, já os andarilhos são os seus casos de amor mais profundos - viver à mercê de si mesmo é o maior dos atos de coragem entre os vivos; os beijos dos andarilhos são melancólicos e secos, mas ainda assim deixam uma certa nostalgia no ar: uma sensação de voltar para onde nunca se esteve – Qualquer lugar ou pessoa que amamos é a nossa terra natal.
Um dia eu acordei e dentro de mim só havia vazio – me desesperei. Comecei a me perguntar sobre qual seria o meu paradeiro e saí porta afora angustiado. Quando cheguei na rua e olhei para o chão, uma surpresa: Me vejo na grama, e depois no céu, e nas árvores, nas gotas de orvalho escorrendo dos limoeiros, nas nuvens que se avolumam sobre mim, na moça com um saco cheio de pães e no porteiro do prédio do outro lado da rua – De um dia para o outro eu deixei de caber em mim – usei a minha alma para engolir palavras bonitas, e o que restou do meu corpo serviu para espalhar a minha essência.
Eu não consigo idolatrar o Mundo, apesar de lhe amar não ofereço idolatria. Um dia ele tomou posse de mim, mas eu jamais poderia me apossar dele – seria pretensioso demais, me disseram – então me reservei a espectador das transformações que usavam o meu corpo para tomar forma. Eu tenho tentado retomar a mim mesmo, não é fácil. Depois de passar muito tempo boiando voltar a nadar parece bem mais difícil.
Ontem à noite eu vi uma estrela cadente e eu desejei ser ela, eu me imaginei como estrela cadente, eu senti como estrela cadente, mas ainda era eu – estava preso a mim mesmo – apesar de que a ciência me diga que não é uma estrela propriamente dita eu prefiro me deleitar com a fantasia; me prendi à ideia que tenho de estrela cadente da mesma forma que me prendi à ideia que tenho de mim.
Num canto da sala eu dissolvo, e na poça de mim mesmo vejo a minha percepção distorcida completamente líquida e adulterada – teria eu forjado a minha própria existência? Seria o amor incondicional pela vida uma tentativa de agarrar o que escorre pelas mãos? Eu me inventei assim porque era mais fácil deixar que as coisas seguissem o seu curso – o fácil já não me conforta e nem consola.
Não sei se é crise ou crisálida, só sei que sinto – dos ossos à ponta dos dedos, sinto. O Tempo me serve de alento e lambe os meus machucados – meu corpo é fera, mas é ferida, e se ressente disso. As cicatrizes são emocionais, as marcas só podem ser vistas por quem consegue ver a alma – apenas os artistas veem as almas, certa vez um deles tentou ver a minha – senti medo que descobrisse o que há por detrás de mim, afinal nem eu mesmo sei, ele poderia estragar a surpresa.
Sinto, logo sou, logo vivo, logo toco o meu rosto e lembro das milhares de paixões que estão por vir.
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