Abaixo da Minha Janela
casas de tijolo desnudo, vida íntima pública, barulhenta e urgente até anos atrás.
hoje: mais quieto tendo em vista que todas as coisas vivas se encaminham para um tipo de quietude obscurecida.
telhados acinzentados se encontrando numa espécie de conluio
em prol da retomada da privacidade outrora perdida,
dando as costas gastas de céu aos olhos que escorregam de cima, do horizonte.
crianças agora pré-adolescente, agora menos barulhentas,
agora igualmente secretas:
não querer mais brincar:
brincar de se negar o desejo:
brincar de ser adulto:
"agora eu vou me inventar de novo de um jeito que não doa tanto".
festa de orixá virou culto mensal de gratidão; tragam suas cadeiras sentem-se,
aguardem e arrependei-vos que Jesus há de derrubar bençãos sobre vocês.
casa do santo agora igualmente secreta.
nanã clandestina na ruela que só lembra do lamaçal quando a chuva arrasta tudo mata abaixo.
líder comunitária escala escada para Rua pondo uma perna acima da outra como dois sacos de laranjas maduras,
na metade do caminho se esparrama no corrimão para recuperar o fôlego.
segue escada acima.
hoje é dia de feira.
mão semi-abstinente e pedinte do bêbado local desaparecendo no ar junto a ele próprio, completamente entorpecido.
cachorrada do latido-orquestra incansável.
panela de pressão chiando histericamente
deixando a feijoada levar o melhor de si.
barrigas cheias de sol:
todo mundo esperando em algum lugar
por qualquer coisa
há tempo demais.
olhar vazio para fora de casa: a orfandade das pessoas mastigadas pelos molares dos dias que passam.
com siso, com juízo,
desperdiço e despedaço pelas esquinas o melhor de mim.
este é o pior de mim.
desperdiço e despedaço pelas esquinas o melhor de mim.
este é o pior de mim.
as pernas fraquejam, dá uma dor no pescoço que não passa e eu finjo que é nova, finjo que o ano também é novo
rodando em torno de mim e sendo, na prática,
o esboço do meu desejo insatisfeito e intermitente.
rodando em torno de mim e sendo, na prática,
o esboço do meu desejo insatisfeito e intermitente.
eu volto para casa, corro até a janela e olho para baixo, para o escuro.
arte::: james rees (fotógrafo).
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