11 de julho de 2017

Sobre meu Pai


catedrático demais
e urgente, no silêncio que habita o entreolhar
entre casca e caranguejo, baixa a cabeça
e suspira fundo.

sonho orvalhado na pele branca
de erê. pé sujo de terra, sonho em
ser gente na ponta da língua, feijão
de leite quente para corpo frio de suor.

mora no mangue mas só brinca no rio,
         como quem só bota o pé em sonho
         como quem nasceu encantado e
consciente disso, se dedica ao sacerdócio do
                                                           desencanto.

saber de ti, para mim,
é três perguntas na lata:
"como você tá?",
"o que tem feito?" e
"você realmente está bem?" -
que são, no fim, um "eu te amo"
engasgado.

disparate dizer que não vai ser o que quiser quando crescer.
                dizer que não sonha com amor
                que não sabe o que é crescer.

caçula de iemanjá ama tanto que não se cabe,
ama tanto que não sabe dizer adeus,
que por ser o último dos primeiros
nunca aprendeu, e nunca quis aprender
a dizer adeus.

quando você não olha para mim,
ou olha de soslaio, como quem não
me quer, como quem sonha em me deixar
e sabe que vai me deixar

                                 eu viro areia.

todo dia eu sonho um alguém para mim.

agora que somos só as lágrimas
                                     das lágrimas
                                            no rio que te escorregou
                                                 infância afora,


                                         sinto que devemos dizer adeus.


eu meço os nossos encontros
     pela respiração. pela ansiedade
         que nasce e morre nos seus olhos
 toda vez que você me vê chorar.

você soluça,
chorando igualmente inconsolável
                                                             ao dizer adeus
  como quem perde,
      para sempre, um alguém querido.

mas saiba para sempre, que por ser querido,
serei eternamente seu.

Arte: Pablo Picasso     


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