15 de junho de 2017

poema sobre gentes


Poder eu posso, e vou.
Querer esguio, saltando o muro

se estatelando no chão
que nem gelo,
quando salta da mão, quando a gente tenta agarrar

salta da vida, do aperto, do eu-acho-que-o-seu-lugar-é-aqui
para ser, mais do que nunca, múltiplos no chão

eu acho que whitman era um alguém partido.


eu acho que eu disfarço até bem,

esse não-ser,
esse não-lugar que habito,

esse exercício da palavra torcida,
da palavra obscurecida,
do "eu te amo" que nunca vem
mas quando sobe, que nem refluxo, eu mato no peito
e mato junto três shots de o-que-vier-depois.

o não-lugar é, para mim, justamente
a persistência de tudo aquilo que não é memória.
aquela noite no bar, em que o velho careca de mil e poucos anos
me agarrou pelo braço, me deu um beijo na boca e disse que eu
seria dele - eu nunca fui; nunca fui de ninguém na verdade, mas acho que já passei a ideia.

o beijo na boca que me invadiu naquela noite não me significa nada,

mas me apavora às vezes;
me faz querer pedir arrego´- porque eu ainda sou café com leite e eu não entendo dessas coisas.

eu lembro de um tempo que não existe porque naquele tempo eu não existia também,
pelo menos não na forma que escrevo este poema
e definitivamente não na forma que o lerei.

de um certo jeito Eu, que escrevo agora, não existo também.

te escrevo agora porque qualquer lugar além deste ser impróprio e infrutífero, para quem sou e para meus sentimentos agora.
o poema, por exemplo, só é lugar por gerar memória [de quem a gente se esquece que foi]

"eu tomo um café, eu fumo um cigarro, eu peço um abraço Dela, tomo outro café e aí eu recomeço."



ilustração: valentini mavrodoglou



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