27 de junho de 2017

Novamente, endereçado


eu te vejo no escuro, de mãos atadas.

crítico mordaz que sou
ainda me lembro de quem pretendia ganhar o mundo
e dar a volta naqueles que te deram a volta.
aos dezenove anos: amor de sua vida
hospitalizado e desencantado,
primeira desilusão a morrer no silêncio.
eu sei que ainda dói,
quem você sonhou ser,
por detrás dos olhos marejados.

eu sonho esquecer,
do que sei,
e de quem bem sei
querer mais 
do que a vista alcança.

sei que você tem fome de mundo,
por detrás do descompasso
do seu dueto-acidente. 
acho que falo assim pois nunca me imaginei a dois
e não sei ser "nós",
só sei ser eu,
só sei ser um,
sob a rigidez
da minha crítica 
e da métrica 
que é a minha respiração
e a minha percepção dos fatos;

eu percebo que não confio,
sonho desconfiar,
mas me esqueço, me engano,
e aí me reencontro 
num dueto similar 
ao descompasso que tanto critico.
eu só sei ser só,
mas não estou só há algum tempo;

estranho pensar nisso agora que 
somos outras pessoas e sempre que te encontro o silêncio
enche no meu peito até morrer numa nuvem de fumaça tóxica.


foto por: Fan Ho - "Approaching shadow", 1954.     


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