6 de julho de 2016

Você Ainda Acredita em Poetas?

A poesia é a última das armaduras literárias. Com poucas palavras concebe-se o infinito, e a vastidão não é vulnerável - o autor se refugia na polivalência de seus versos para evitar o compromisso com aquilo de mais profundo em si, aquilo que é, consciente ou inconscientemente, rejeitado.
Há, entretanto, sensibilidade poética. O autor busca pela validação literária das emoções; a poesia raramente encontra júbilo na racionalidade - no fim das contas escreve-se de verdade com as tripas.
Fazer do vazio no peito algo palpável é o milagre alcançado na poesia. Ainda assim, o poeta mente; talvez porque ache em suas personas um alento à sua verdadeira identidade. Permanecer subjetivo e volúvel enquanto outros optam por clareza e objetividade é uma espécie de desobediência moral (ou pelo menos um culto ao orgulho perdido das não decisões). A rebeldia é o escárnio da norma, e o escárnio dos poetas autênticos - revolucionário é quem bate no peito para dizer que mente.
A mentira precede a moral, é importante que nos lembremos disso. Menino não chora e muito menos escreve sobre sentimentos. A escrita é o delírio de todos aqueles que não puderam ser, de todos aqueles que foram marginalizados, embebidos em medo. A escrita é a última vingança terrena para aqueles que tiveram suas vozes tomadas ainda cedo. 
Por isso engana-se quem chama qualquer poeta de autêntico, porque escrever também envolve aquilo que nunca é dito. O que não se diz é uma mentira para todos os que desconhecem - neste momento o poeta percebe-se como solitário; saber de coisas sobre nós mesmos que ninguém mais sabe é estar só.
Acaso é como chamamos todas as mentiras acobertadas pelo silêncio.
Ainda ontem escrevi uma carta com sete lágrimas e dois soluços de desamparo para o endereço de sempre. O poeta é o sacerdote do silêncio, e, consequentemente, sua vítima.
Escrever é resistir aos antagonismos da vida e, com sorte, não ser marcado pelo silêncio. Mentir, pelo menos no âmbito poético, é proteger a solidão residual, a solidão identitária.

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