Por Quem (ou Porque) eu Escrevo
Não espere por mim. Eu, você, nós dois, escapamos um do outro — e não penso isso com algum tipo de pesar, me posiciono ante a minha memória como mero relator. Acredito que nós escapamos um do outro — e ressalto o uso do termo “acredito” e não “atesto”, me abstenho de certeza alguma, dada a natureza volúvel da realidade e, por conseguinte, da própria memória. Porque sempre que eu te via, ou te vejo, as coisas mudam de lugar. Me vem uma estranheza de mim, eu não mais me reconheço, eu me questiono, eu me desloco entre pessoas novas e antigas, cumprimentando e abraçando todas, sem nunca verdadeiramente sair do lugar.
É um lugar inatingível aquele que nós dois habitamos — por ser um lugar de sonho, por ser um lugar de memória. É um lugar que só existe quando te escrevo.
Não te escrevo com saudade. Te escrevo pois, é para mim, essencial o exercício da relatoria, de gerar memória universalmente acessível — porque eu não costumo permanecer a mesma pessoa que escreve o que quer que seja. Te escrevo porque você é, assim como eu, um sonho, e é sobre a ordem das coisas de sonho que eu gosto de tecer a palavra escrita.
arte: "L'État De Veille" por René Magritte.
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